A Origem das Runas: Perspectivas

quarta-feira, dezembro 7


As runas são muito mais que simples sinais fonéticos usados para escrever informações prosaicas pelas tribos do norte da Europa: seus significados simbólicos, sagrados e ocultos vão muito além das modernas concepções de necessidade prática.

A runa é, por si mesma, um conceito especial. Cada hieróglifo rúnico é uma unidade que engloba toda uma riqueza de conceitos, um verdadeiro repositório de conhecimentos e significados só visualizados pelos praticantes da arte rúnica. São caracterizadas por sua forma angular, que as distingue de todos os outros alfabetos do mundo. 

A palavra “runa” vem de uma raiz proto-germânica que significava, originalmente, “rugir”. Tempos depois, desenvolveu-se através do nórdico antigo para “run” (escrita secreta), e do gótico, para “runa” (mistério, sussurro). O cerne do sentido de todas essas palavras é “segredo sussurrado” e, obviamente, se relaciona a um tempo antes da invenção da escrita, quando todo o conhecimento arcano era transmitido oralmente. 

Miticamente, as runas são associadas a Odin (ou Wotan, ou Woden), o deus da inspiração, das batalhas, da sabedoria e da morte. As origens das runas está, se tanto, encobertas em muito mais mistério do que sua origem mítica. Muito embora já esteja historicamente estabelecido que, como alfabeto, os sinais conhecidos como runas derivam da escrita do norte da Itália (o itálico do Norte era a escrita dos etruscos, e acredita-se que essa escrita tinha sido levada para o Norte, na região báltica, pelos mercadores etruscos de âmbar), antes de possuírem alguma forma de escrita, os povos do norte da Europa empregavam símbolos pictóricos, gravados em rochas. A evidência arqueológica do vínculo entre os etruscos e o rúnico surgiu em 1812, quando 26 capacetes de bronze do quarto século a. C. foram encontrados em Negau — perto da atual fronteira entre a Áustria e a Iugoslávia. Os capacetes têm inscrições em palavras germânicas, desenhadas na escrita itálica do Norte. 

Particularmente corriqueiras na Escandinávia, tais inscrições pré-históricas em rochas, conhecidas como Hallristingnor, são datadas da segunda Idade do Bronze (cerca de 1300 a.C.), sendo provavelmente relacionadas aos cultos indo-europeus dedicados à fertilidade e ao sol. As inscrições incluem representações de homens e animais, partes do corpo humano, motivos de armas, símbolos solares, a suástica e variações das formas quadrada e circular. 

Com o tempo e em lugares diferentes, várias versões do alfabeto rúnico emergiram, enquanto algumas letras foram adicionadas, ou então suprimidas. Existem três variações principais das runas e um grande número de versões menores. Todas essas três variações eram expressões do mesmo sistema mágico/adivinhatório, adaptado às diversas condições tribais, políticas e climáticas nas quais as diferentes divisões da raça teutônica se desenvolveram. 

A mais antiga das formas maiores dos alfabetos rúnicos é o futhark tradicional ou teutônico. Consistindo em vinte e quatro letras, seu nome deriva do fato de que suas primeiras letras serem “f”, “u”, “th”, “a”, “r” e “k” — futhark. Era comumente utilizado no nordeste da Europa continental, entre os séculos V e VIII. Suas letras eram divididas em três grupos de oito, cada grupo sendo denominado um aettir, ou família. A cada aettir foi atribuído uma divindade: Freyja, Heimdall e Tyr. O mais antigo exemplo conhecido dessa seqüência de vinte e quatro runas encontra-se num bastão de madeira que data do período de 550 a 650 d. C., descoberto em 1895 em Arum, na Frígia ocidental, Holanda. O bastão mostra a inscrição edaeboda, que se traduz por “mensageiro que volta”. Na Frígia, têm sido encontradas runas gravadas em amuletos e bastões cerimoniais, muitas vezes feitos de Teixo, usados para a proteção, inclusive, dos viajantes. O amuleto encontrado em Britsum é um bastão de madeira com a inscrição rúnica “carregue sempre este bastão nos campos de batalha”, proteção mágica para algum guerreiro. Outro bastão, encontrado mais tarde, datado de cerca do ano 800, com a função ritual de dar poder sobre as ondas, talvez seja o único amuleto marítimo ainda existente. 

A segunda principal variação das runas é o futhark anglo-saxônico, sendo usado na Grã-Bretanha entre os séculos V e XII. Os anglo-saxões foram encorajados a expandir o futhark tradicional, primeiro para vinte e oito letras, depois para trinta e três, por causa das mudanças linguísticas que ocorreram a cada vez que Anglos, Jutas e Saxões se estabeleciam na Grã-Bretanha. Despojados de qualquer tipo de relacionamento regular com os teutônicos, seu dialeto se tornou, em breve, rico em ditongos, e — gradualmente — os ditongos começaram a ultrapassar em número as vogais, e o xamã anglo-saxônico providenciou novos símbolos para representar estes novos fonemas. Estes símbolos foram então postos no fim do alfabeto existente; mas o modelo do futhark tradicional continuou a influenciar o método anglo-saxônico de adivinhação rúnica. 

A terceira e última maior variação do futhark é o escandinavo ou nórdico. Empregado na Escandinávia e na Islândia, foi mais utilizado entre os séculos V e XII, tendo-se mais exemplos de escrita nesse futhark do que em qualquer outro. Estranhamente, apesar do futhark nórdico possuir mais fonemas do que o anglo-saxônico, ele tem apenas dezesseis runas. Isto porque cada Runa tem emprego dobrado ou triplo. Por exemplo, uma Runa representa tanto “k” como “g”. E quaisquer outros futhark tendem a ser não mais do que representações criptográficas de uma destas três variantes. 

Tem sido debatido entre eruditos o quão profundamente o uso das runas se deu. Alguns mantêm que seu uso foi confinado a inscrições, encantamentos e talismãs, e apenas raramente em poemas e documentos legais. Outros argumentam que as runas eram usadas amplamente em documentos e escritos similares. Parece bem possível que quaisquer documentos escritos em runas fossem feitos de cortiça ou papel, e pudessem facilmente ser perdidos ou destruídos, e que tal destruição fosse provável. A igreja cristã era bastante meticulosa destruindo tais coisas. 

Além do mais, se as runas fossem puramente mágicas, haveria pouca necessidade de variações no futhark básico. A linguagem na qual a magia é depositada pode facilmente ser estilizada, portanto mudanças na língua comum não se refletem em inscrições. Mais ainda, em se tratando de símbolos puramente mágicos, existe uma relutância de se fazer quaisquer alterações — observe a quanto tempo os símbolos zodiacais permaneceram inalterados. Com símbolos mais práticos, existe uma chance maior de mudança. 

O uso das runas continuou sem decrescer até aproximadamente o ano 1000. Durante os 400 anos até então, os cristão estavam fazendo convertidos na pagã Europa do norte. Muito se tem contado a respeito destas conversões a ferro e fogo, mas ainda há mais do que isso. Foram as classes altas que se converteram primeiro, e suas maiores motivações pareciam ter se centrado na crença de que o Cristianismo oferecia um mapa mais seguro do que os esperava após a morte. As classes média e baixa ainda permaneceram pagãs em muitas regiões. 

Os deuses pagãos eram venerados abertamente até o século XII e traços do uso rúnico sobreviveram até o século XVII, subterraneamente. Deve-se observar o fato de que, não obstante os poderes políticos, inquisições e éditos declarando o uso das runas pernicioso para a alma, elas sobreviveram. Do que não poderiam sobreviver não era um inimigo, mas uma força que nem se preocupava se elas existiam. Como muitos métodos de conhecimento esotérico, as runas requeriam longo estudo e somente os jovens mais promissores eram escolhidos para o rigoroso treinamento. Quando veio a revolução industrial, o tempo para tanto não mais existia; muitas pessoas, especialmente os jovens, estavam ocupados em buscar suas vidas nas fábricas. A estrutura social que mantinha os treinandos estava entrando em colapso rapidamente. 

Nessas condições, não é de surpreender que os elementos mais facilmente compreendidos e imediatamente usáveis eram os que sobreviveriam. Segue que os costumes e o conhecimento dos velhos modos eram mais fortes onde a revolução industrial não aconteceu com mais força. Foi no campo, na verdade, e não nas cidades, que os velhos modos sobreviveram. Mais ainda, como é o caso muitas vezes, não demorou muito para que as pessoas procurassem o que haviam perdido ou jogado fora. Quando o ocultismo começou a interessar as pessoas novamente, muitos indivíduos e grupos na Escandinávia, norte europeu, e Grã-Bretanha tentaram reviver os saberes rúnico e mítico. 

Muitas das elaborações destes ocultistas eram altamente imaginárias, e as runas eram normalmente ligadas a qualquer teoria esotérica que estivesse correntemente em voga. 

O século XIX viu não apenas o ponto culminante do materialismo em seus meados, como, pelo seu final, presenciou um renascimento do pensamento transcendental como nunca visto antes desde os dias pagãos. Mas a maioria das teorias era insustentável. 

As runas foram ligadas à Atlântida, a mundos antediluvianos, à Bíblia ou a Jesus (que, para alguns, era um ariano loiro de olhos azuis — a palavra “ariano” equivale, em sânscrito, a “nobre” e se refere aos povos guerreiros que surgiram perto do mar Cáspio com uma identidade racial própria por volta de 3000 a. C. Esses povos arianos invadiram a Índia por volta de 1500 a. C., colonizando a Grécia antiga e a Ásia Menor) e por aí vai. Era uma época quando a antropologia era um ótimo cabide para se pendurar uma especulação, e muitos ocultistas estavam dispostos a suprir falsas evidências para apoiar suas teorias. Alguns dos trabalhos eram bobos, outros eram muito bons, e outros eram, infelizmente, ligados perigosamente ao mal, carregando uma conotação de racismo e elitismo. 

A derrota da Alemanha, no final da Primeira Guerra Mundial, levou certos ocultistas alemães a exaltarem as runas como significantes de uma identidade nacional — parte da herança étnica da Raça Superior. Essa é uma perversão da filosofia que jaz por trás dos mistérios rúnicos, que ensina que os segredos das runas estão abertos a qualquer um, sem distinção de sexo, raça ou cor. Ninguém, afinal de contas, iria sugerir que o I Ching pode ser usado apenas pelos chineses; que apenas as raças árabes pudessem se tornar proficientes na Geomancia, ou que o Tarô fosse esperado a trabalhar somente nas mãos dos descendentes diretos dos ciganos ou antigos egípcios (ambas as raças apontadas como “inventoras” do Tarô). A verdade é que todas estas técnicas se moveram muito facilmente de uma locação geográfica a outra, e entre uma raça e outra, sendo virtualmente impossível determinar um grupo étnico detentor exclusivo do emprego das runas. 

No evento, a apropriação das runas pelos mais altos escalões do partido nazista não fez nenhum bem ao avanço do saber rúnico, nos anos subsequentes a Segunda Guerra Mundial. Hitler usou o velho símbolo ariano da Roda do Sol, a suástica, como o emblema do nazismo; Himmler tinha a insígnia da notória S.S. expressa em runas (um fato que escapou à atenção de muitas pessoas naquela época, e continua o fazendo), e depois do colapso da máquina de guerra nazista, os aliados, muito naturalmente, não quiseram ter nada a ver com as runas; nem mesmo a própria nação alemã, que diligentemente repudiou os nazistas e todos os seus trabalhos, e ansiosamente evitando a culpa de todas as maneiras. As runas foram conseqüentemente consignadas ao limbo esotérico. 

Somente quando a Segunda Grande Guerra desapareceu da memória e uma nova geração, que nunca havia experimentado as runas, se tornou adulta, é que o saber rúnico usufruiu de um renascimento. Este renascimento começou lentamente — como acontece com todos os renascimentos. Pesquisadores começaram a estudar os livros dos autores alemães, que haviam sido escritos no começo do século, e simultaneamente, os iniciados rúnicos da Escandinávia, Alemanha, Grã-Bretanha, e Estados Unidos começaram a disseminar informação sobre adivinhação pelas runas, que é o aspecto mais acessível — e por isso mesmo, mais popular — do saber rúnico. Nos círculos esotéricos, entretanto, não foi senão até os anos oitenta, quando o interesse pelas runas alcançou o ponto mais alto, que os guardiões da tradição rúnica deram a ordem para um maior fluxo de informação — desta vez, de uma natureza mais profunda e mais esotérica. É onde nós estamos hoje, no umbral de uma nova aurora da instrução rúnica.

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