A Mitologia Rúnica

quarta-feira, dezembro 21


A perspectiva do mundo xamanístico é consistente através do mundo. Mais ainda, é tão internamente consistente quanto as maiores religiões do mundo. O xamanismo, por exemplo, tem uma imagem central da árvore ou pilar do mundo. Na mitologia teutônica, este papel era desempenhado por Yggdrasil, o freixo da existência, que espalhava seus galhos sobre os nove mundos da criação, sustentando a vida deste Universo e presidindo o próximo, quando o nosso tiver perecido.

Odin ganhou o poder das runas quando ficou pendurado por nove noites na Yggdrasil, ferido pela própria lâmina, atormentado pela fome, pela sede e pela dor, sem auxílio e sozinho, até que, antes de cair, avistou as runas e conseguiu apanhá-las, em um último e tremendo esforço. Isto foi a sua iniciação xamanística, e é muito significativo que o mito tenha transformado uma árvore comum na árvore da existência. Uma das Eddas Poéticas nos relata o evento desta forma:

Vi-me suspenso naquela árvore batida pelo vento,
Ali pendurado por nove dias e noites,
Golpeado, ferido por minha própria lança,
Eu era uma oferenda feita a Odin.
Eu, uma oferenda a mim mesmo,
Naquela árvore que ninguém conhece
Para onde vão suas raízes.
Ninguém me deu de comer,
Ninguém me deu de beber.
Perscrutei as mais longínquas profundezas
Até vislumbrar as runas.
Gritando, as ergui
E então, desfaleci.
Desde então comecei a prosperar,
E minha sabedoria crescia enquanto
 Eu melhorava e frutificava.
Uma palavra levava a outra,
Uma palavra me levava a muitas outras,
E uma ação me ganhou muitas ações.

Formas similares de iniciação podem ser encontradas por todo o mundo, mas em todos os outros casos o sacrifício é oferecido a um deus. Nunca antes o sacrifício foi para si (exceto Jesus Cristo, que se sacrificou como uma parte da Trindade para outra parte da mesma). Em termos do processo esotérico, então, parece claro que a intenção de Odin era tornar-se um deus. É também claro que o sacrifício resultou na  descoberta, não na invenção das runas. A recepção das runas por Odin verificou-se através de uma revelação xamanística. Com o que sabemos de Odin, pode-se sugerir que o homem era um xamã do culto do deus Tyr.

A palavra xamã deriva da palavra tungue-siberiana saman, que significa “exaltado” ou “excitado”. Quando ele obteve o conhecimento das runas, ele juntou todos os elementos díspares de instrução àquelas pedras. Eis porque elas possuem tal ênfase nos poderes naturais. As runas eram, e ainda o são, de fato, uma combinação de vários elementos do ensinamento xamanístico, que tangem ao encontro do adepto as forças do mundo, ou mana. Mana significa “poder invisível”, e captura a idéia de que o mundo é permeado por forças vivas. Deve ser lembrado que, para o xamanismo, a natureza é mágica, da mesma maneira que as fórmulas científicas são para um físico.

As runas incluíam símbolos há  muito usados pelas tribos, que ainda podem ser vistos nas gravações Hallristingnor. Somam-se a isso algumas letras do grego, do romano e do etrusco. Em alguns pontos, valores fonéticos foram consignados puramente por causa da similaridade da forma.

O simbolismo do fulgor atormentado de realização, que permitiu a Odin liberar todo o potencial das runas, descreve um raro momento na História quando os dois lados do cérebro se uniram pela reação unificada a um único sinal. A pesquisa moderna sobre a diferença entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro tem demonstrado que é o lado esquerdo o que possui as habilidades funcionais necessárias à leitura e escrita. O alfabeto, e o futhark em sua qualidade de escrita, simboliza uma representação fonética completa da linguagem, de maneira qualitativamente diferente dos sistemas hieroglífico e ideográfico e demais sistemas não-fonéticos de anotação da linguagem. No sistema lingüístico ocidental, dominado pelo alfabeto, os ferimentos físicos do lado esquerdo do cérebro acham-se vinculados à perda parcial ou total das capacidades de ler e escrever.
            
Estudos sobre as habilidades relativas de qualquer hemisfério cerebral têm demonstrado que os caracteres logográficos, como os hieróglifos egípcios primitivos ou os símbolos usados nas artes tradicionais da Europa, por exemplo, em calendários, são reconhecidos com maior eficiência pelo lado direito do cérebro. Do mesmo modo, a escrita não-fonética denominada Kanji, dos japoneses, não é processada pelas mesmas áreas do cérebro que o Kana, o sistema fonético utilizado ao lado do Kanji. As pessoas que sofrem danos cerebrais em certas áreas distintas só conseguem entender um ou outro sistema, dependendo da localização do ferimento. A representação de hieróglifos não-fonéticos no lado direito do cérebro em oposição ao esquerdo pode até ser superior ao uso do lado esquerdo para o sistema fonético.
            
Sem qualquer sombra de dúvida, os modernos pictogramas de sinalização rodoviária são mais fáceis de reconhecer que as instruções por escrito. Se os sistemas pré-alfabéticos de escrita e codificação adivinhatória eram manipulados pelo hemisfério cerebral direito, então as diferenças entre os meios de comunicação fonéticos e não-fonéticos talvez sejam mais fundamentais do que se pensava. A transição do uso das runas de sua condição pictórica primitiva para seu emprego num alfabeto assinalou uma mudança no uso dos hemisférios cerebrais da direita para a esquerda, do intuitivo para o analítico. O toque de genialidade está no fato de que as runas conseguiram ligar simultaneamente os dois hemisférios cerebrais. Quando isto foi feito, as runas tornaram-se mais fáceis de entender. Ao invés de uma coleção de símbolos, elas se tornaram uma descrição de um tipo de processo mágico. Por exemplo, onde o alfabeto hebreu é uma série de símbolos ou ilustrações sublimados, as  runas  são  uma série de descrições de forças e sua propagação. Elas são uma descrição única do mundo mágico em torno de nós, que devemos entender melhor.

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