Existe em cada um de nós um conjunto único de símbolos, que pertence à consciência individual, criada por nossa experiência na vida. Este conjunto, se puder ser desvendado por meio dos sonhos, incidentes recorrentes e eventos estranhamente significantes, é um modo seguro de descobrir os padrões pelos quais o Eu se expressa.
As runas, porém, nos oferecem um padrão alternativo. Funcionam como um conjunto de símbolos inter-relacionados, os quais permitem a descoberta individual dentro da trama do coletivo. Elas capacitam o indivíduo a encontrar-se e identificar-se em termos do grupo a quem os símbolos são significativos, ou seja, a civilização ocidental.
Sugeriu-se que o alfabeto rúnico fosse destinado, a princípio, não a um sistema de escrita, mas à adivinhação, e que algumas pessoas tiveram a ideia de adaptar e fundir o antigo culto aos símbolos pictóricos, que foram os precursores das runas, com formas mediterrâneas, para produzir um sistema coerente de “hieróglifos”, ou “letras sagradas”. Encorajados por essa possibilidade, e pelo fato de que o sistema simbólico contido nas runas foi formado pela consciência ocidental, em contraste com outros sistemas simbólicos para presságio e autodescoberta (o Tarô, o I Ching, a Astrologia, dentre outros), essas pessoas conceberam a ideia dos jogos ou lançamentos rúnicos.
O propósito dos jogos rúnicos é ajudar a integrar o que pode tão facilmente se tornar uma personalidade fragmentada, auxiliar a nova descoberta de si mesmo e preparar a Psique para uma corajosa aventura no futuro. É principalmente por sua habilidade em ajudar o indivíduo a “adivinhar” os aspectos e influências escondidas de seu mundo que os jogos rúnicos são estruturados, combinando as técnicas de adivinhação e de meditação.
Considerava-se, anteriormente, que a alma, que agora pode ser chamada de Psique em desenvolvimento, possuía três faculdades: a memória, o entendimento e a vontade. A meditação formal tem três estágios nos quais cada uma destas faculdades é posta em ação.
Para o propósito dos jogos rúnicos estas três faculdades da alma podem ser interpretadas assim: a memória é a faculdade de dramatizar, a qual pode colocar qualquer parte de si mesmo numa situação e dirigir uma investigação ali. Assim como a memória do passado, há também uma “memória futura”, uma dramatização antecipada. A técnica é perceber um drama, projetar a si mesmo no palco daquele drama e se “ver” atuando.
O entendimento é a faculdade que percebe o que é que faz a parte de si mesmo se envolver no drama. O entendimento analisa aquele envolvimento e o nomeia. Esse observar e nomear tem efeito semimágico de acalmar a Psique, de forma que a vontade pode se destacar da ligação com o drama e transcendê-lo.
Nesse processo de meditação, a vontade é a faculdade da alma que junta o que foi dividido no drama construído pela memória. A resolução de uma indagação particular é conseguida pela vontade. A meditação é assim um ato da mente no qual podemos sair de quaisquer armadilhas a que estamos presos através da transcendência, em vez de quebrar as estruturas que estão nos induzindo. Por ser um ato da mente, a meditação pode ser aprendida.
De um modo criativo, os oráculos, por seu uso da analogia e do símbolo, do paradoxo e da ambiguidade, estimulam a imaginação do indivíduo em novas direções, de maneira que ele pode perceber, se for capaz, o seu relacionamento com o mundo exterior de uma maneira diferente e assim mudar seu futuro.
O ponto que gostaria de enfatizar, aqui e em toda parte, é que a habilidade de determinar o futuro não está no oráculo mas no indivíduo; não está nos símbolos mas na mente que os usa. A contribuição do oráculo é fornecer uma declaração enigmática que pode intrigar os potenciais criativos não usados. O explorador dentro de si mesmo não tem nenhuma memória confiável do passado, e nenhum rumo predeterminado do futuro para se fiar; tem apenas um presente inconstante. Nos jogos rúnicos, a consciência é vista como uma pequena e limitada parte da existência que está tentando se expandir no desconhecido e vasto atemporal.
A adivinhação, como se sabe, compreende todos aqueles métodos por meio dos quais o homem se empenha em obter a sabedoria oculta (em especial, o conhecimento do futuro). A adivinhação é, antes de mais nada, um método não-científico de adquirir conhecimentos indisponíveis por outros meios. Na verdade, o princípio básico da adivinhação transcende ou ultrapassa o quadro materialista-cientificista do mundo prevalecente nos dias atuais.
A visão científica do mundo é analítica, no sentido reducionista. Ela procura — e consegue, de maneira brilhante na maioria dos casos — explicar a infinidade dos fenômenos da existência valendo-se da física, dividindo e decompondo cada matéria e cada interação em seus componentes básicos. Infelizmente, o inato sistema de crença adotado pela visão científica do mundo descarta qualquer outro sistema de maneira automática — é exclusivo, afirmando representar a única realidade objetiva. Quando dá alguma atenção à adivinhação, é apenas para asseverar que se trata de um sistema de crenças cujo estudo está afeto à antropologia social.
De acordo com a moderna interpretação da adivinhação, os números que aparecem no lançamento das runas não são apenas uma questão de sorte ou azar. Embora se ajustem aos princípios matemáticos da casualidade, na verdade o próprio conceito de casualidade nada tem a ver com o significado.
Enquanto se aplica perfeitamente aos eventos numéricos isolados, não é, de modo algum, separada do estado do Universo no preciso momento em que se aplica, agindo de acordo com as suas próprias leis matemáticas. A casualidade é, portanto, paradoxalmente, uma forma de estrutura bem definida inerente ao Universo. O único fator constante do Universo físico é a mudança. No entanto, do mesmo modo que a casualidade, a mudança opera de maneira sequencial e progressiva, manifestando-se na forma de padrões reconhecíveis pela consciência humana. Esses padrões moldam-se às formas inerentes à natureza do instante de tempo em que são observados. Na adivinhação, esses padrões são procurados com insistência. São manifestações do estado presente das coisas, tendo muito a dizer quanto à natureza e ao desenvolvimento potencial daquele estado.
Isto é aparente no conceito da sincronicidade. A interpretação sincrônica do Universo, de que todas as coisas, devido à sua própria existência no espaço e no tempo, acham-se vinculadas umas às outras, produziu uma ponte entre o materialismo científico e a visão antiga, mágica, do Universo. Os principais elementos da situação existente no Universo naquele instante são revelados por esses padrões.
A estrutura dos eventos e a posição em que nós nos encontramos são alcançadas por meio da adivinhação, a qual produz padrões de interpretação relevantes. As questões que formulamos a esses sistemas são nossas reações às posições progressivas dos vários padrões sequenciais, que fazem parte do modo como o Universo funciona. Como ele é dotado de processos e estruturas que se ajustam a certos gabaritos, os métodos divinatórios, que também se amoldam a eles, reproduzem os modelos apropriados ao tempo a que são conduzidos.
As rachaduras no barro ressecado, o sussurro do vento nas copas das árvores, os pássaros voando em formação, o desenho de grãos de feijão lançados ao solo, e as pequeninas ondas espontâneas na superfície de um poço representam apenas alguns dos padrões sobre os quais as pessoas de uma percepção acurada podem focalizar sua concentração. É nessa condição de consciência focalizada que podem surgir as percepções paralelas da realidade. Como seres vivos, estamos sujeitos a uma multiplicidade espantosa de forças e energias. Essa gama abrange desde as forças físicas como os campos gravitacionais, magnéticos e elétricos, às mais sutis como o comportamento humano, os sistemas de crenças, e a estrutura inata dos processos vitais.
A adivinhação tem-se mostrado benéfica, como forma de conseguir informações úteis para lidar com essa gama aparentemente caótica de influências. Existem áreas inteiras do Universo físico imperceptíveis por qualquer dos sentidos humanos. Outros membros do mundo animal podem perceber coisas que nos passam desapercebidas. Muitos insetos, por exemplo, podem enxergar os raios ultravioletas, invisíveis para os seres humanos; os cães podem ouvir sons inaudíveis aos ouvido humano. Seria realmente tolice afirmar a não realidade das forças e poderes dos quais não possuímos experiência direta.
Todas as pesquisas humanas procuram expandir nossos conhecimentos do Universo porque, obviamente, é mais fácil manipular situações se tivermos algumas informações sobre suas origens e o relacionamento complexo entre elas e seus processos básicos. Durante milênios, os conhecimentos científicos foram crescendo até chegarmos à compreensão do funcionamento interior da matéria, podendo criar novos materiais, prever o comportamento de complexos sistemas elétricos, mecânicos e matemáticos, além de evitar muitas das doenças que afligiam nossos antepassados.
Esse aumento da consciência científica tem feito diminuir de certo modo a certeza de que, embora nossos conhecimentos tenham aumentado bastante, ainda existem forças de tamanha complexidade agindo no Universo, que não podem ser observadas pela metodologia digital ou progressiva da análise científica.
O propósito principal da adivinhação é obter informações dessas áreas, que possam ser usadas para a completa harmonia dos seres humanos com o seu ambiente. Ainda que a relativa eficácia e os mecanismos da adivinhação sejam discutíveis, os princípios que norteiam a crença na sua eficácia são idênticos no mundo todo. Realizado por uma pessoa específica, num momento e num lugar também específicos, cada ato divinatório é um evento único, que contém a unidade do todo do espaço e do tempo naquele instante.
Naturalmente, o mesmo se aplica a qualquer ato ou obra de arte, mas a intenção particular da adivinhação é manifestar as condições do Universo naquele momento, de forma inteligível pela pessoa que conduz a adivinhação e pelo consulente.
As runas se tornam as portas através das quais a percepção do possível emerge. Estes símbolos e jogos são necessários para ajudar a mente de tal jeito que ela possa avaliar de novo todas as opções disponíveis na vida. O que não é percebido dentro, surge e nos atinge vindo de fora. Numa tal circunstância o mais fácil é assumir que o Mal está trabalhando contra nós e que não há nada que possamos fazer sobre isso. O lançamento das runas mostra-se valioso quando as chamadas soluções racionais são ineficientes, ou sob condições que se desviam do normal.
Sem desenvolver a habilidade de perceber os padrões, e assim prever — talvez evitar — problemas, o homem não dá a si próprio a oportunidade tanto de escolher, como de contornar ou mitigar o inevitável. É em tais opções que sua liberdade reside. Os jogos rúnicos designam-se a ajudar através da descoberta destas opções, oferecendo meios que permitam resolver um problema nos momentos em que a análise racional já não pode mais ser empregada ou como um trunfo que permita uma intuição dos obstáculos não previstos.
A língua portuguesa tem apenas uma palavra para designar “tempo”, mas os gregos tinham duas: “kronos” e “kairos”. Estas descrevem a diferença entre experiência de tempo e qualidade de tempo. Kronos é tempo medido e fornece-nos as experiências em ordem cronológica. Kairos é participação dentro do próprio tempo e marca a atemporalidade. É nos momentos de “kairos” que ocorrem os eventos de “significativa coincidência” (nas palavras de C. G. Jung), onde o que pode parecer uma coincidência ou acaso é, na verdade, um evento diretamente relacionado. Mas isso não é uma sequência usual de causa e efeito, ação e reação; portanto, não se pode traçar sua origem nem explicá-lo em termos lógicos ou em ordem cronológica, pois o ele não provém do tempo linear (“kronos”), mas do eterno (“kairos”).
O conceito de adivinhação, portanto, precisa de uma revisão a fim de que seja útil num nível mais maduro. O sufixo -ão ou -ção faz a raiz da palavra a que ele se junta designar um processo, resultado, estado ou condição. Assim, a adivinhação, que originalmente queria dizer estar em contato com o “Divus”, ou deus externo, para informação sobre o mundo desconhecido, pode ser interpretada como um processo para se tornar, ou ser, divino, para entrar em contato como deus interior, causando aquele momento coincidente ou sincronizado de “kairos” — a atemporalidade.
O conceito de adivinhação, portanto, precisa de uma revisão a fim de que seja útil num nível mais maduro. O sufixo -ão ou -ção faz a raiz da palavra a que ele se junta designar um processo, resultado, estado ou condição. Assim, a adivinhação, que originalmente queria dizer estar em contato com o “Divus”, ou deus externo, para informação sobre o mundo desconhecido, pode ser interpretada como um processo para se tornar, ou ser, divino, para entrar em contato como deus interior, causando aquele momento coincidente ou sincronizado de “kairos” — a atemporalidade.
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