Runas: À Guisa de Introdução

quarta-feira, outubro 12


O preceito a respeito das runas deveria ser as mesmas palavras esculpidas sobre a entrada do Oráculo de Delfos: conheça-te a ti mesmo. Pois as runas agem como um professor. Sendo um Oráculo, é um jogo sagrado, um instrumento ou ferramenta de utilização séria ou elevada. O valor de seu emprego está na liberação do esforço, nos propiciando uma aprendizagem como a que as crianças têm acesso.

Observando sob essa perspectiva, surge-nos um fato inescapável: cada um de nós é o seu próprio cartógrafo pessoal. A consulta às runas nos coloca em contato com nossa própria orientação interior, aquela parte de nós que sabe tudo quanto precisamos conhecer sobre nossa vida, agora. A busca espiritual para se descobrir a verdade nunca pode ser encontrada no “mundo lá fora” ou no “céu lá em cima”, mas está acessível somente de dentro

Aqueles de nós que buscaram respostas para algumas das mais desorientantes questões da vida em assim chamados líderes espirituais e gurus, em filósofos e instituições do saber, o fizeram porque estavam condicionados a olhar para fora de nós mesmos. Fomos ensinados a considerar o conhecimento como a verdade, ao passo que ele é tão-somente informação — e muito dessa informação é baseada em especulação, suposição e, em alguns caso, crença cega. As runas podem nos ensinar a importância de se olhar para dentro, e experimentar por nós mesmos a relação entre o físico e o espiritual, o manifesto e o não manifestado, o fora e o dentro. Desta forma, percebemos que o físico, o mental e o espiritual não estão separados e divididos, mas são facetas diferentes de uma composta, total completude.

Hoje, quando tantas pessoas já perceberam que o sonho tecnológico está se fragmentando ao nosso redor, alimentando o crime, o vandalismo e a poluição do planeta, as antigas idéias rúnico-xamanísticas tornam a nos acenar. As teorias Newtonianas-Cartesianas-Darwinistas estão sendo exaustivamente reexaminadas, e embora as grandes invenções da ciência materialista e as maravilhas da tecnologia moderna, nosso mundo está em grande crise.

A filosofia rúnico-xamanística prega que a humanidade não pode se separar de seu meio físico e dos assuntos espirituais. Cada um de nós é um reflexo da grande unidade, que os antigos xamãs reconheciam e na qual procuravam se ajustar, para obter seus poderes mágicos.

Estes poderes mágicos pertencem a um mundo que vem sendo amplamente ignorado nos últimos duzentos anos de racionalismo materialista. Entretanto, cada vez mais, estamos tendendo a considerar o homem, não como fenômeno isolado da Criação e, sim, como síntese essencial das estruturas e dos processos universais. Uma entidade integrada ao cosmo e em permanente situação de ressonância bilateral com ele. 

O universo é composto de uma essência unificadora, cuja função manifesta-se numa miríade de formas, que adquirem vida, se desenvolvem, se desintegram e são, então, reconstruídas num ciclo interminável. Fica claro, então, porque os homens e as mulheres de outras épocas nada mais podiam fazer senão atribuir a divindades totalizadoras e a seus desígnios os produtos naturais dessa grande inter-relação sistêmica, cujo entendimento estrutural e dinâmico é próprio apenas, em termos conceituais mais sofisticados, de nossa época. 

Uma época que incomoda crentes e agnósticos simultaneamente: ao mesmo tempo em que a ciência contemporânea, com seus parâmetros e procedimentos rígidos, alarga o conhecimento humano a dimensões sem precedentes e importuna os pensadores teístas incapazes de assimilar essas descobertas, as tradições rúnico-xamanísticas encontram um novo espaço conceitual para ver assimilados por cientistas as suas afirmações sobre o homem e a natureza, abalando o ceticismo daqueles mais afeitos apenas às tentativas de quantificar laboratorialmente a vida.

Nesse sentido, basta lembrar que as ciências mais avançadas vêm provando, já há décadas, que não passa de antiquada suposição a ideia de que as teorias científicas são originadas sempre de fatos diretamente observáveis: um breve estudo do desenvolvimento da ciência demonstra que a maior parte das descobertas realmente importantes nasceu como fruto de “insights” intuitivos, sendo depois testadas para a verificação de sua consistência. Afinal, se assim não fosse, nada de novo seria efetivamente descoberto: todo conjunto de suposições científicas tende a proteger-se contra hipóteses que estejam em desacordo com elas e, dessa forma, se cerca de “artimanhas” destinadas a proteger as velhas teorias e não, necessariamente, a melhor teoria. 

Porque “objetividade e imparcialidade científica” não passam de outra lenda da ciência, derivada da suposição cartesiana de separação total e arbitrária entre matéria e pensamento, e do determinismo newtoniano sobre a constituição universal. A física contemporânea prova laboratorialmente que, a nível subatômico, a “simples” ação de observar, sem a qual o observador não poderia constatar o fato, produz alterações de alguma monta no fato ou objeto observado, contribuindo para que ele tenha este ou aquele resultado. Como falar de “imparcialidade”, então, se cada um observa o mundo a partir de suas próprias suposições internas e diferentes “estados de espírito”?

Com conceitos desse tipo, agora alicerçados laboratorialmente e não mais apenas suposição “esotérica, mística ou própria de pessoas desinformadas”, a ciência vem ampliando poderosamente nossa possibilidade de aceitar e entender este “mundo integral”, verdadeiro móbile, no qual todas as peças interagem mutuamente, segundo a lei que diz que cada parte de um sistema está relacionada de tal modo com as outras, que uma mudança numa delas provoca uma mudança em todas as demais e no sistema inteiro.

O poderoso impulso inconsciente humano no sentido de participar desse todo vital, âmago de todas as religiões e movimentos espirituais, encontra abrigo, numa estrutura conceitual que teve de viver o processo dialético da negação da negação: num primeiro momento, negou-se a primazia da realidade material em prol da realidade espiritual (“religião”), para depois disso negar-se a primazia da realidade espiritual em prol da realidade material (“ciência”).

Realidade material e espiritual, agora, podem ser entendidas a partir de um outro conceito de matéria e espiritualidade — somente possível com a física avançada e, no que diz respeito especificamente ao ser humano, com os muito recentes estudos sobre biopsicoenergia, tanatologia e as correntes mais progressistas da psicologia profunda, que datam de menos de três décadas. 

Uma realidade material na qual a manifestação energética não se limita às formas menos sutis de organização que percebemos em nosso dia-a-dia sensorial, e nem se estrutura apenas dentro dos conceitos de espaço e tempo próprios do pensamento cartesiano e newtoniano. Uma realidade espiritual que não é fruto de superstições ou ignorância dos processos naturais mas, antes, resultado da percepção intuitiva da sutil interligação energética entre todas as formas organizadas de matéria e energia. A busca da quinta dimensão (além da altura, da largura, do comprimento e do tempo) e da quinta força natural (além da eletromagnética, da gravitacional, da nuclear forte e da nuclear fraca), efetuada pela física pós-einsteiniana, obrigou a uma completa reconceituação de nossas matrizes de raciocínio e de nossas concepções sobre a “realidade”.

Confrontamo-nos, todo o tempo, com os poderosos impulsos religiosos humanos de integração ao todo, muito mais característicos da psique profunda inconsciente do que frutos da ignorância — como já se supôs. Uma brejeira análise do psiquismo profundo à luz do pensamento junguiano, ou das psicologias transpessoais, mostra de sobejo essa religiosidade como dado predominante nos estratos mais profundos do psiquismo humano, dependendo somente da forma de sua manifestação. Atitudes “misticóides”, religiosidade compulsiva, superstições, devoções despersonalizantes, manias e fanatismos religiosos, ao que parece indicar, são apenas “adoecimentos” desse impulso, não necessariamente, e em absoluto, suas manifestações normais. Da mesma maneira, vistas por esse ângulo, as formas de comportamento chamadas de “místicas” ou “espirituais” são simplesmente o movimento intuitivo rumo a essa participação no todo, cada qual com a roupagem cultural característica de sua época.

Para alguns, a importância da religião é tão óbvia que quaisquer comentários sobre o assunto parecem supérfluos. Para outros, a religião consiste em superstição, a qual se vai gradualmente sobrepujando, e que se torna cada vez mais desnecessária, enquanto os progressos da ciência nos provê com uma vida muito melhor do que jamais a religião pôde nos dar. Nenhuma destes pontos de vista está correto. A religião é importante, mesmo que sua significância seja perpetuamente contestada e posta constantemente em dúvida. Os valores religiosos, como quaisquer outros, devem se provar verdadeiros e funcionais novamente a cada geração e a cada indivíduo.

As doutrinas e instituições, através das quais as necessidades e experiências religiosas têm sido expressas, podem se tornar obsoletas, e aí sua continuidade se torna danosa a uma saudável manifestação religiosa. Os antigos já diziam: “o homem é incuravelmente religioso”. As carências no homem, que primordialmente deram origem às suas experiências e expressões de caráter religioso, permanecem inerentes à sua natureza. Mas assim como o automóvel e o jato substituíram o boi e o cavalo, os arranha-céus suplantaram as cavernas, e os tecidos sintéticos tomaram o lugar das peles de animais, nós devemos esperar que os modos de expressão, que servem às nossas necessidades religiosas na sociedade cosmopolita, sejam diferentes daqueles que inspiraram Moisés no alto da montanha, ou Maomé, numa caverna em Meca. O homem sempre sentiu que a vida transcende o mundo material imaterial imediatamente aparente.

Não obstante, não se trata mais de afirmar a validade das ciências arcanas ou das tradições rúnico-xamanísticas “apenas por que se crê” nelas — sempre deixando flancos abertos para mentes mais fortemente norteadas pela necessidade de comprovação factual e experimental científica, e menos abertas à possibilidade de conhecimento intuitivo e sutil da realidade. Trata-se, isto sim, agora e daqui para frente, de aprender a articular a imensa sabedoria existente nessas formas de conhecimento humano com as descobertas da ciência contemporânea.

De acordo com a física moderna, a substância básica de matéria está a níveis subatômicos, além dos átomos e moléculas, onde matéria e energia são intercambiáveis. Esta unidade básica de matéria e energia é chamada quantum — um sinal invisível ou uma flutuação que precede tantos os impulsos de energia e partículas de matéria. É nesse nível mais sutil que existe o maior potencial de energia, e é aqui que as runas têm sua origem. Elas não são meros símbolos que representam alguma coisa. Cada caractere rúnico é um padrão ou portador de uma potencialidade energética que precede a substância. É um veículo de uma atividade constituinte da Natureza e de nós mesmos que, quanto ativada e liberada, gera movimento. As runas indicam o movimento possível e a mudança de potencialidades dentro da Natureza e de nós mesmos.

Desse modo, o que quer que possam ser as runas — uma ponte entre o Eu e o Divino, uma senda de exploração da Psique, um auxílio navegacional —, elas designam-se a ajudar o autoconhecimento progressivo, que amplia as fronteiras do mundo percebido e capacita o indivíduo a apreciar a maneira pela qual ele cria seu próprio destino. Uma vez que o indivíduo aceita a responsabilidade por si próprio, o Oráculo Rúnico pode ser usado para auxiliá-lo a decidir seu futuro, esclarecendo a natureza e as causas dos complexos, medos e motivações ocultos no “inner self” (ego íntimo) e os eventos, gestos e atos no “outer self” (ego exterior, o mundo externo), delineando o âmbito de escolhas disponíveis a ele, a cada momento.